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Querido diário... atualizando.

em 29 de julho de 2018

Depois de longos meses de inatividade bem justificados, estou de volta ao blog. No início de janeiro passei por uma cirurgia ortopédica de urgência que me afastou de uma série de atividades e do trabalho por 180 dias.
O que aconteceu? Bem, há 12 anos, quando ocorreu o acidente, sofri, entre outras coisas obviamente, uma fratura no fêmur direito. Na época o problema foi corrigido com a inserção de uma haste intramedular para fixar o osso e possibilitar a devida calcificação, o que não aconteceu como esperado.

Pausa para um breve esclarecimento: o fêmur, assim com outros ossos longos do corpo, possui uma espécie de túnel ósseo. Uma região oca onde se encontra a medula óssea, um tecido esponjoso mole onde  o organismo produz quase todas as células do sangue. Nesse espaço que foi colocada a haste intramedular.

Ao longo de todo esse tempo e uma série de tentativas de corrigir o problema, nunca houve a calcificação desejada. A única coisa que mantinha o meu fêmur alinhado era a própria haste, ela fazia as vezes do osso. Mas durante 12 anos o estresse das minhas movimentações diárias e "atividades extracurriculares" (que nunca foram poucas), causaram a fadiga do material. E no fatídico dia 21 de janeiro de 2018, a haste de titânio cedeu à pressão e foi pro beleléu.
Cirurgia, algumas complicações, pós-operatório, remédios, fisioterapia, consultas, suplementos e paciência. Agora, depois de tudo isso e com 12 anos de atraso, parece que o osso está colando de novo. É o que indica o raio-x que fiz no último dia 18.
Retornei ao trabalho essa semana depois destas longas férias forçadas, fui muito bem recebido por todos e completei 36 anos na última sexta-feira, 27. A vida não começou 2018 facilitando as coisas pra mim, mas ela nunca faz essa promessa a ninguém. Então sigamos em frente e força na peruca. Até o próximo post e beijo nas crianças.

Diário de um intercambista malacabado: Goodbye, San Francisco. Olá, Aracaju.

em 29 de outubro de 2017


Bom, já estou de volta há duas semanas depois de passar 33 dias nos EUA. Quando viajei e comecei esta série de textos a intenção realmente era fazer um diário, produzir um novo texto a cada dois ou três dias contando as novidades da minha viagem. A aventura de um malacabado tentando se virar por conta própria em um país estrangeiro.
Realmente não consegui cumprir nem de perto esse cronograma, não levei computador porque a intenção era aproveitar os preços mais em conta para comprar um novo nos EUA, e escrever textos longos no celular é complicado. Na escola eu tinha acesso aos computadores do laboratório de informática, mas geralmente ao fim das aulas eu só queria sair pra almoçar. No hostel onde estava hospedado havia um computador no lobby à disposição, mas eu não queria ficar escrevendo por lá com o vai e vem de um monte de gente, então ficou pra depois. Aqui vai um pequeno resumo da aventura de um intercambista malacabado.
Pra começar: não foi fácil! Mas já falei aqui outras vezes: "Quem quer, dá um jeito. Quem não quer, dá desculpa". Como a certeza da viagem só aconteceu na última hora, durante a última semana, não pude planejar tudo como gostaria. Com mais tempo hábil eu teria planejado os melhores trajetos, as rotas de ônibus e metrô, os passeios que gostaria de fazer, onde e o que gostaria de comprar e mais uma infinidade de coisas. Mas quando não dá pra planejar, seguimos a lei do improviso.
Nos primeiros dias fiz o trajeto até a escola de ônibus, pegava o primeiro a 50 metros do hostel e um segundo que me deixava a pouco mais de uma quadra do destino. San Francisco é uma cidade de altos e baixos e a minha preocupação era que tivesse uma subida no meio do caminho. Depois percebi que a maior parte era uma descida suave e o restante era predominantemente plano. Então passei a ir rodando pra aula e pegava apenas um ônibus na volta, que subia a rua e eu só precisava descer um quarteirão pra chegar em casa.
As calçadas da cidade seguiam um padrão, havia rampas em todas as esquinas (a grande maioria bem feita) e as adaptações dos ônibus funcionavam perfeitamente. Os motoristas eram em grande maioria bastante solícitos e bem preparados, então não tive problemas. O sistema de trens e metrô também funcionava muito bem, apesar de ser bem sujo. Não tinha graves problemas de acessibilidade, mas geralmente havia apenas um elevador por estação, que estava sempre fedendo a mijo de mendigo. San Francisco tem muitos moradores de rua e acho que eles aproveitavam o ambiente reservado dos elevadores pra dar aquela aliviada. Felizmente não me deparei com nenhuma cagada. 💩💩💩
Rodar grandes distâncias sozinho pela cidade seria bem complicado, mas quem tem amigos tem tudo. Foi fácil me cercar de gente boa, amigos que estavam sempre dispostos a ajudar. Tinha brasileiros, japoneses, turcos, taiwaneses, italianos... Ao todo eram alunos de vinte e três nacionalidades na escola, todo mundo sempre ali pra dar uma forcinha quando eu precisasse. Claro que a ousadia de um cara na cadeira de rodas se virando sozinho por lá causava um certo estranhamento, mas ao conviver um pouco mais todos passavam a encarar a situação com naturalidade. Volta e meia eu ouvia aquele papo chato sobre ser um exemplo de superação e todo aquele blá blá blá que já conheço de cor e salteado. Mas a maneira que eu vejo as coisas é bem simples: eu tenho os meus problemas e as minhas dificuldades pra enfrentar a vida, mas dificuldades todo mundo enfrenta, uns mais, outros menos. A vida nem sempre é justa, mas é assim que ela é. A cadeira de rodas me impõe um série de limitações, mas o fato é que ela chama muita atenção, e talvez por isso desperte esse sentimento de admiração.
O meu curso de Business English (inglês para negócios) tinha aulas apenas pela manhã, então eu tinha as tardes livres pra fazer o que quisesse. E geralmente era um passeio com "ozamigos". Deu pra rodar bastante por San Francisco, conhecer os pontos turísticos, comer bastante junk food, visitar as cidades vizinhas... Não quero me alongar muito contando os detalhes de cada passeio, a intenção desse post não é ser um guia turístico para os malacabados que resolverem se aventurar por San Francisco, mas dividir um pouco da experiência enriquecedora que tive por lá. Como não sou um grande fã de fotos, não vou postar milhares de imagens aqui, mas quem tiver curiosidade pode dar uma olhada em alguns lugares que visitei no Instagram.
Por mais que um período de quatro semanas não seja longo o suficiente para uma imersão completa em um cultura diferente, dá pra aprender muita coisa se você souber utilizar o tempo que tem e mantiver a mente aberta. Viver a rotina de SF foi muito interessante, a escola ficava no coração do Financial District, bem no centro da cidade, onde as coisas acontecem. Era muito legal ir para a aula pela manhã vendo as pessoas indo trabalhar usando transportes bem alternativos. Gente vestida de maneira formal indo trabalhar de bicicleta, skate, patinete... Claro que havia bastante trânsito, muitos carros nas ruas, ônibus, bondes, mas muita gente preferia outras alternativas.
O convívio com alunos de tantas nacionalidades diferentes também foi muito legal. Ouvir tantos sotaques de várias partes do mundo me ajudou a melhorar bastante o meu entendimento da língua. Tanto que, às vezes, eu já me pegava pensando em inglês. Nas conversas com os outros alunos era sempre interessante trocar experiências sobre os costumes de cada país e aprender como cada cultura encarava assuntos diferentes. Um dos passatempos favoritos era ensinar alguns palavrões em português e depois ficar se divertindo com eles falando sem parar. Os japoneses, muito educados, achavam o máximo e sempre queriam aprender um novo. O preferido era, sem dúvida: "Puta que pariu!".
Foram quatro semanas vividas intensamente em San Francisco, na última eu já me sentia meio dividido, era um misto de emoções. De um lado aquela saudade que já vinha há algum tempo dando sinais de vida, do outro um pouco de tristeza, uma nostalgia antecipada por deixar pra trás uma experiência tão valiosa. Acho inclusive que as dificuldades inerentes à minha condição me fizeram valorizar ainda mais a oportunidade. O investimento financeiro é alto, claro. O investimento emocional, as expectativas criadas, também. Mas a experiência valeu todo o esforço para que desse certo. Antes de voltar pro Brasil ainda deu pra relaxar alguns dias em Miami na casa de um grande amigo, José Maurício, que fez questão de receber a mim e Alice na sua casa. Sim, a digníssima foi me encontrar em Miami e passamos uns dias passeando por lá.
O saldo final foi muito positivo. Volto dessa viagem com um entendimento mais amplo de mim e do mundo. Com mais segurança a respeito das minhas capacidades. Com mais amigos do que tinha quando fui e com a bagagem cheia de experiências enriquecedoras. Sim, o meu inglês está melhor, agora conheço algumas expressões que não conhecia, entendo um pouco melhor a linguagem técnica do mundo dos negócios. A princípio esse era o objetivo e estou feliz em tê-lo alcançado, mas o aprendizado foi bem maior que tudo isso. E essa certeza eu trouxe na mala.
Bola pra frente e até a próxima.

Diário de um intercambista malacabado: Lavando a roupa suja.

em 26 de setembro de 2017

"Lava roupa todo dia, que agonia
Na quebrada da soleira, que chovia..." 🎶🎶🎶

A música é "Juventude Transviada", de Luiz Melodia, e nada tem a ver com o tema deste post além dos dois primeiros versos. Mas, como já disse outras vezes, o blog é meu e eu faço o que eu quero.
Pois bem, nessa jornada de intercambista malacabado aqui na Califórnia tenho feito muita coisa além de estudar: passeio bastante, visito vários lugares, compro uma coisinha aqui outra ali... Os desafios são constantes. As ruas de São Francisco são bem preparadas: rampas em todas as esquinas, calçadas quase sempre padronizadas, transportes coletivos acessíveis (com direito a cheiro de mijo nos elevadores e plataformas do sistema de trens e metrô)... A geografia da cidade é que não ajuda muito, já que SF é cheia de altos e baixos e as ladeiras são inimigas mortais dos cadeirudos. Mas isso é assunto pra outra história.
Vamos em frente: apesar da minha disposição pra encarar as adversidades, tem uma coisa que eu não tinha me atrevido a fazer desde o meu acidente: lavar roupa suja (literalmente). Não que eu fosse um exímio lavador de roupas, na verdade, mesmo quando morava sozinho, tinha quem o fizesse por mim. Durante a maior parte do tempo que passei em São Paulo, a vida colocou no meu caminho uma senhora baixinha do interior de Pernambuco que atendia pelo apelido de Bibiu. Ela era esposa do zelador do prédio e prestava serviço como diarista para alguns dos condôminos, incluindo aquele moleque de mais ou menos vinte anos que morava no apto. 12. Me tratava praticamente como um filho, mas infelizmente nos deixou de forma precoce há algum tempo. Enfim, mesmo tendo a Bibiu cuidando de quase tudo pra mim, às vezes eu precisava fazer algumas coisas por conta própria, e isso podia incluir lavar algumas roupas.
Bom, anos e anos depois, o aleijadinho resolve procurar sarna pra se coçar e se mete numa de fazer intercâmbio sozinho. Hospedado num hostel que não tem serviço de lavanderia, apenas uma lavanderia comunitária, ele se vê na situação em que precisa lavar as suas próprias roupas. E agora, o que ele faz? Hora de usar os conhecimentos aprendidos nos primórdios do século 21...




Vai no Walgreens (uma espécie de farmácia em que se encontra absolutamente de tudo - coisa de americano), compra o que precisa, volta para o hostel, planeja passo a passo tudo o que precisa fazer (como todo malacabado esperto) e encosta o umbigo no tanque. Ou melhor, estaciona a cadeira do lado das máquinas.
Separa as roupas, abre as roupas, coloca as roupas na máquina, coloca a quantidade correta de sabão, fecha a máquina, seleciona o programa e manda brasa. Meia hora depois, abre a máquina, tira as roupas, abre as roupas, coloca na secadora, limpa o filtro da secadora, fecha a secadora, seleciona o programa e manda brasa. Quarenta e cinco minutos depois, volta, retira as roupas da secadora, confere se estão lavadas e secas... Sucesso!



Missão quase cumprida. Hora de voltar pro quarto, mas deu preguiça de guardar tudo agora. Ah, deixa pra lá! A roupa já está toda limpa e seca, depois eu dou um jeito nisso...
Beijo nas crianças! Em breve, cenas dos próximos capítulos.

Diário de um intercambista malacabado: O desafio do planejamento.

em 14 de setembro de 2017

É fato consumado! Pra tudo que vamos fazer na vida deve haver algum planejamento, pelo menos se você pretende fazer bem feito. Para malacabados, aleijadinhos e afins não é diferente. Nesse caso é ainda mais importante, é aí que a brincadeira fica séria.
Como já havia falado no post anterior, a grande dificuldade pra mim foi encontrar um lugar que pudesse me acomodar. E veja bem, a tarefa a princípio nem era das mais complicadas, porque a minha situação não exige necessariamente que o lugar seja adaptado, se ele for acessível eu já consigo me virar. E quando falo em acessível, basta ter uma porta que eu consiga entrar e um espaço razoável por conta da cadeira de rodas.
Depois de várias tentativas, mudanças de programação, busca de alternativas... encontramos aqui em San Francisco um hostel que poderia me hospedar. O quarto não é muito espaçoso, mas é o suficiente. Segue aquela linha que falei antes: não é adaptado, mas é acessível. Já o banheiro, grande terror dos cadeirantes, é bastante amplo e adaptado. Não têm uma cadeira de banho disponível, mas me arranjaram uma cadeira de plástico e, problema resolvido. Poucas coisas a melhorar.
Caso algum aleijadinho ousado como eu tenha a intenção de encarar um intercâmbio sozinho fica aqui a minha dica. O hostel que me hospedou é o Vantaggio, que fica na 505 O'Farrel Street, San Francisco. Já conversei com o pessoal aqui e eles têm dois quartos nessas condições. Não cheguei a ver o outro, mas deve seguir o mesmo padrão.
O café da manhã está incluso e os apartamentos são no estilo Studio: no quarto tem uma cama, um pequeno móvel para as roupas, uma pia, frigobar e microondas.
O único serviço é a limpeza dos quartos, que é feita uma vez na semana. A lavanderia fica à disposição dos hóspedes, que lavam sua própria roupa. Ainda não precisei utilizá-la, só estou hospedado há quatro dias, mas quando for necessário, naturalmente darei um jeito.
Pra melhorar a minha circulação no quarto pedi pra tirarem a mesinha de estudos, ela me impedia de chegar até o móvel pra guardar as roupas. Depois disso a situação ficou mais agradável.
Sem mais delongas, deixo aqui algumas fotos, os curiosos já vinham me cobrando.






Como havia dito, a mesa atrapalhava a circulação e pedi que fosse retirada.

Diário de um intercambista malacabado: De repente Califórnia.

em 11 de setembro de 2017

"Garota eu vou pra Califórnia
Viver a vida sobre as ondas
Vou ser artista de cinema
O meu destino é ser star..." 

Alice já não aguentava mais me ouvir cantarolando essa música desde a última quarta-feira, quando, mesmo depois de muito planejamento, parecia que os meus planos de fazer um curso no exterior seriam desfeitos mais uma vez.
Sim, mais uma vez. Porque quando eu me acidentei, um dos planos que eu tinha para o momento era uma extensão universitária no exterior que, assim como muita coisa na minha vida, não se concretizou pelo mesmo motivo.
Pois bem, pouco mais de onze anos depois resolvi tentar mais uma vez. Eu já me sentia seguro o suficiente, independente o suficiente. Então comecei a planejar. Não que eu achasse que seria fácil, afinal essa palavra poderia ter sido riscada do dicionário da minha vida depois do dia 21 de julho de 2006.
O projeto inicialmente era o Canadá, por sugestão de Thayana, consultora online do STB (Student Travel Bureau), que argumentou que o custo seria menor por conta da diferença na taxa cambial (o dólar canadense é consideravelmente mais barato que o americano). Somado a isso, ela tinha acabado de planejar um curso pra uma moça que também é cadeirante e eu poderia ir pra mesma escola em Toronto.
Ela me disse que a escola e a equipe são muito solícitas e me conseguiriam uma acomodação acessível na cidade.
Mas sabe como é, né? Vida de aleijado não é fácil. No meio do caminho a Polícia Federal surge com a notícia da suspensão da emissão dos passaportes por falta de verba, isso porque cada cidadão que precisa tirar o documento paga uma taxa de quase 300 reais. Coisas do Brasil... Agora eu só podia esperar. Já tinha pagado o valor referente à matrícula e assinado o contrato, mas a efetivação estava condicionada ao passaporte e à acomodação.
Assim que o passaporte fosse emitido eles começariam a procurar um homestay pra me hospedar. Homestay é a modalidade de hospedagem em que famílias recebem estudantes de outros países em suas casas.
Após semanas de incerteza o passaporte finalmente saiu e a escola iniciou a procura.
Semana após semana eu buscava notícias, mas eles nunca conseguiam. Entramos no deadline da escola e na última semana antes do início do curso. Lá de Toronto a esperada boa notícia nunca chegava, então comecei a buscar outras soluções.
Entrei em contato com Mariana, uma amiga querida que mora em Vancouver, e pedi ajuda. Começamos a considerar outras possibilidades. Eu já andava desesperançoso e com raiva, depois de tanto planejamento a bendita lesão medular ia me fuder de novo. Férias programadas no trabalho, curso escolhido, planejamento feito, mas talvez isso não fosse o suficiente. Depois de tanta expectativa parecia que não ia dar certo.
Caroline, a gerente de Thayana no STB, já acompanhava o meu caso de perto e buscava alternativas. Eu achava que talvez não desse mais.
Mas eis que "De repente... Califórnia". Uma escola em San Francisco tinha um curso com uma carga horária que eu poderia fazer com o meu visto de turismo americano e, pasmem, uma residência estudantil próxima tinha condições de me receber. O curso ficaria um pouco mais caro, as passagens ainda precisavam ser compradas, detalhes que já tinham sido deixados de lado agora precisavam ser resolvidos. Foram três dias muito estressantes.
Mas nessa (tragi)comédia da vida aleijada não tem nada fácil. E agora eu tô aqui, na cama do quarto em San Francisco, escrevendo esse post gigante no meu celular e pensando: Chupa lesão medular!



Disreflexia Autonômica - Parte II

em 4 de junho de 2017

Como já expliquei muita coisa a respeito da disreflexia em um post anterior, não vou me repetir. Mas quem ainda não sabe do que estou falando é só dar uma olhada aqui.
Bom, depois se sofrer por algum tempo com os inconvenientes causados pela disreflexia resolvi ir ao médico (já faz mais de dois meses, mas só agora decidi falar a respeito). Pois bem, fui visitar o meu competentíssimo neurologista e expliquei pra ele o que vinha acontecendo. Tivemos uma longa conversa sobre o meu caso e também outras amenidades.  Ele ouviu atentamente as minhas queixas, expliquei que já tinha identificado o gatilho que disparava os sintomas da disreflexia: o calor. Meu corpo não estava conseguindo regular bem a temperatura, minha transpiração, que é afetada pela lesão medular, não estava funcionando. Aí o motor véio acabava superaquecendo.
Ele me explicou que a disreflexia, assim como outras formas de disautonomia, eram comuns em pacientes neurológicos. Contou-me a respeito de outros casos que passaram por ele e me deixou bem tranquilo. Me explicou que em alguns casos é possível usar medicamentos que ajudam a inibir ou pelo menos reduzir as reações e me solicitou alguns exames.
A disreflexia realmente estava me incomodando muito, a ponto de atrapalhar o meu convívio social. Eu já estava evitando alguns lugares e situações que pudessem me expor ao calor e, se continuasse daquele jeito, ia acabar virando um recluso.
Pois bem, realizei os exames e o único problema detectado, como ele suspeitava, foi uma deficiência de Vitamina D. Não, isso não tem nenhuma relação direta com a disreflexia, mas pode ocorrer na minha condição e ele queria se certificar. Ao analisar os exames, ele me passou apenas a reposição oral da vitamina por alguns meses. Me explicou que, ao pesquisar o meu caso, descobriu que lesões como a minha não respondem bem ao medicamento. Solução? Não tinha solução, eu só poderia adotar um comportamento de fuga ou esquiva. Continuar fazendo o mesmo...

😨😨😨😨😨😨😨😨😨😨😨😨
Fudeu! Pensei...

Mas tudo bem, vamos em frente. Com a cabeça no lugar comecei a procurar uma solução para o meu caso. Eu tinha sofrido bastante com a disreflexia nos três primeiros anos pós-acidente e, analisando meu histórico, percebi que depois que comecei a praticar atividades físicas, meu corpo foi aos poucos conseguindo regular a transpiração e as crises foram diminuindo até desaparecer por completo. Dividi esse pensamento com o doutor e ele também achou que aquilo fazia todo o sentido. O basquete em cadeira de rodas e o paraciclismo, que eu pratiquei durante algum tempo, tinham me ajudado com o problema. Como agora eu já estava parado há algum tempo, os benefícios conseguidos se foram. Aí imaginei que uma nova atividade aeróbica poderia me ajudar novamente.
Mas eu não queria ficar brigando com o calor, senão toda vez que meu corpo aquecesse eu teria que parar a atividade e resfriá-lo, para que aos poucos a tolerância ao calor aumentasse, a transpiração se autorregulasse, até que eu me visse livre de novo. Pensei em começar a nadar e parece que está funcionando. As crises já vinham ficando menos constantes, mas, coincidência ou não, acredito que a natação tem ajudado. Ultimamente as coisas estão bem mais tranquilas.
Essa vida de lesado medular não é fácil. Mas, aleijadinhos e aleijadinhas do meu Brasil, se a gente não der um jeitinho nos problemas nunca veremos solução. Bom, essas foram as últimas novidades, aguardem cenas dos próximos capítulos.

Disreflexia Autonômica

em 6 de outubro de 2016

Eu já tinha passado mais de um mês na UTI e há umas duas semanas ocupava um quarto na Unidade de Terapia Semi-Intensiva do Hospital Nove de Julho em São Paulo. Uma forte dor de cabeça apareceu de repente, uma ansiedade que eu não sabia de onde vinha, os batimentos acelerados por causa de um incômodo que eu nem sabia explicar o que era. "Tô sentindo uma dor de cabeça muito forte", meus pais chamaram uma enfermeira. Lá estava eu com uma dor de cabeça aguda e que não entendia a origem, identificaram umas placas vermelhas nos meus braços, pescoço e no rosto... Todos acharam que era uma reação alérgica, trocam-se os lençóis, chamam uma dermatologista que me examina, faz algumas perguntas e não consegue identificar o motivo daquela reação. Foi a primeira vez que aconteceu. Lá no Nove de Julho ainda não entendíamos direito aquilo, mas tentava-se de tudo até que eu melhorasse. Algum tempo depois, quando cheguei ao Sarah, tive a primeira crise lá dentro e a enfermeira foi categórica: "É disreflexia!".

"Disreflexia autonômica ou Hiperreflexia autônoma medular(CID-10 G90.4) é uma síndrome associada a lesão medular caracterizada por uma resposta excessiva do sistema simpático pela ausência do controle do sistema parassimpático. Pode acontecer quando a lesão medular foi acima das vértebras torácicas T5-T6. Vários estímulos que deveriam ser dolorosos e incômodos podem desencadear essa síndrome."  Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Disreflexia_autonômica

Fonte: http://www.blogfisiobrasil.com.br/2015/03/disreflexia-autonomica.html

Resumindo. Como a lesão medular afeta a sensibilidade, muitas vezes estímulos que normalmente seriam incômodos e dolorosos não são percebidos. Daí o nosso corpo, muito esperto, encontra um jeito de avisar: "Opa, peraí. Tem alguma coisa errada acontecendo". Eis que aparece a disreflexia.
O sistema nervoso autônomo (reponsável por funções como pressão arterial, frequências cardíaca e respiratória, temperatura corporal, metabolismo...) se divide em simpático e parassimpático. Estes funcionam juntos e de maneiras opostas para manter as funções involuntárias do corpo.
Inúmeros motivos podem desencadear a disreflexia autônomica, mas os mais comuns são: bexiga muito cheia, distensão no intestino, lesões ou fraturas, escaras (úlceras de pressão), efeitos colaterais de medicamentos...
Alguns dos sintomas comuns são dor de cabeça, bradicardia, muita ansiedade, visão embaçada ou manchada, nariz obstruído, manchas vermelhas na pele (estas aparecem apenas acima do nível da lesão), aumento da pressão arterial, etc. E o tratamento passa por identificar o desencadeador e resolver a situação, problema identificado e solucionado os sintomas tendem a desaparecer rapidamente. Mas em casos extremos, quando não tratados, a disreflexia autonômica pode levar a um acidente vascular cerebral ou uma parada cardíaca.

Fonte: http://fisioterapiahumberto.blogspot.com.br/2009/09/disreflexia-autonomica.html

Com paciência e autoconhecimento fui conseguindo lidar com o problema. A partir do meu terceiro ano de lesão medular meus episódios com a disreflexia começaram a diminuir e passei um bom tempo sem ocorrências, mas agora, com a minha lesão quase entrando na adolescência, ela resolveu voltar. Os principais fatores que desencadeiam a disreflexia em mim são: a bexiga muito cheia e o calor. Já os sintomas são geralmente o aumento da pressão arterial, ansiedade, dores de cabeça (vez ou outra) e muita coceira nas regiões em que aparecem as manchas vermelhas, como se realmente fosse uma reação alérgica (ainda não encontrei ninguém que tenha esse sintoma, só eu). 
No primeiro caso só preciso ir ao banheiro e passar a sonda uretral (fazer o cateterismo vesical, ou o cat, como acostumamos a falar no Sarah), assim que a bexiga começa a esvaziar vem o alívio. O segundo caso ocorre porque o controle da minha temperatura corporal é prejudicado por conta da lesão medular, eu praticamente não transpiro abaixo do nível da minha lesão, o que no meu caso representa uns 80% do meu corpo, daí a minha temperatura sobe. Sentiu o drama? Às vezes ficar exposto a um ambiente quente e abafado já funciona como gatilho, em outros, quando o meu corpo está mais suscetível à disreflexia, como atualmente; o simples contato direto com o sol já é o suficiente. A solução é buscar uma alternativa que ajude a baixar a temperatura do corpo. Já usei gelo, água, plantei-me na frente de um ventilador ligado, mudei para um ambiente mais frio com ar-condicionado... Todos os métodos funcionam, basta reduzir a temperatura corporal.
Enfim, tanto os desencadeadores quanto os sintomas da disreflexia autonômica variam de paciente pra paciente. Cada um tem que buscar (auto)conhecimento para aprender a evitar os episódios e tratá-los quando necessário. Bem que conviver com essa tal de lesão medular poderia ser mais fácil, né? Mas fazer o quê? Bola pra frente.
Beijos nas crianças!

Panamá é o canal.

em 19 de novembro de 2013


Neste último dia 3, cheguei em Aracaju de uma viagem que fiz ao Panamá. A oportunidade surgiu porque o marido da minha prima está trabalhando lá e ela tem ido visitá-lo periodicamente. Desta vez o irmão dela também iria e me convidou pra acompanhá-los. A curiosidade pra conhecer o Panamá era grande e resolvi embarcar. Somado a isso, um grande amigo da época de colégio, Paulo, que hoje é engenheiro, está morando lá há alguns anos e já tinha me feito alguns convites. Mais um motivo pra viajar. Então arrumei as malas e planejei todos os detalhes. Pois bem, com tudo pronto partimos para o Panamá na madrugada do dia 25 de outubro.
Chegando lá alugamos um carro (que já estava no nosso orçamento), compramos um chip e ativamos uma linha local no meu celular (US$ 25,00) e partimos pro hotel. Tá aí uma dica que eu daria pra todo mundo: ativar uma linha telefônica local. Isso nos permitiu fazer e receber ligações, ter acesso à internet e, o mais importante, usar a rede 3G pra navegar pelo GPS do celular (o que nos economizou US$ 200,00 de aluguel do GPS da locadora de carros). Agora vamos ao que interessa.
O hotel em que ficamos, Torres de Alba, tem apartamentos no estilo Flat: sala, cozinha com área de serviço, banheiro e quarto. Era bem espaçoso; acessível, mas não adaptado. Eu já sabia disso com antecedência, mas como as portas eram largas e o banheiro espaçoso não tinha grandes problemas, eu me viro razoavelmente bem nessas situações. Foi só pedir que o hotel me arrumasse uma cadeira pra tomar banho e, pra minha surpresa, eles já tinham uma cadeira específica (infelizmente não tirei fotos desses detalhes).
Logo que saímos do aeroporto percebemos como a Cidade do Panamá é rica. Arranha-céus ocupam a vista, prédios de arquitetura ousada, uma bela estrada (com pedágios a um preço justo) nos conduz do aeroporto de Tocumen até o centro da cidade. A primeira impressão do trânsito foi terrível, é o mais louco que já conheci. E olhe que, antes do meu acidente, eu morei em São Paulo por quatro anos. Mas com todos os seus milhões de carros e aqueles motoboys malucos, o trânsito da nossa maior cidade parece brincadeira de criança. A regra é: não existe regra. As ruas são bem sinalizadas, placas bem colocadas, sinais de trânsito em pleno funcionamento... o que não funciona é o bom senso dos motoristas, pedestres, etc. Motoristas fecham cruzamentos, não respeitam a preferencial, pedestres andam pelo meio da rua, atravessam correndo sem aviso... E as buzinas, ah, a buzina é o esporte nacional. Uma sinfonia completa. Pra piorar o trânsito, a cidade é um canteiro de obras: pontes, viadutos, avenidas e metrô estão sendo construídos por toda a cidade. Uma curiosidade: alguns locais da cidade têm nomes, digamos, bastante sui generis, a exemplo o Distrito de Boquete e da Via Porras, que, felizmente, ficam bem distantes um do outro.
Logo que encontrei Paulo, comentei a respeito do trânsito e ele me explicou que desde que o Panamá assumiu o controle do canal, o volume de dinheiro que entra é muito grande, os caras não sabem o que fazer com tanta grana, mas a civilidade não cresceu na mesma medida que o desenvolvimento econômico, então existe essa discrepância entre a educação do povo e a economia crescente, o que reflete também no trânsito.
Mas e a questão da acessibilidade, como é a realidade de quem tem algum tipo de deficiência, como essas coisas são encaradas no Panamá, será melhor que no Brasil? Pra falar a verdade, não. A minha experiência mostrou que, apesar de termos que melhorar bastante, ainda estamos um pouco à frente, tanto no aspecto da estrutura quanto da consciência social. Visitei vários lugares, de restaurantes à baladas, de parques ao centro histórico, de shoppings a casas de massagem - hehehe essa última é brincadeira, mas até que não seria má ideia - e enfrentei vários perrengues com a falta de acessibilidade. Assim como aqui, nem todos os lugares têm rampas de acesso, muito menos banheiros adaptados, nesses casos sempre rola uma tensão, mas um improviso aqui, um jeitinho ali sempre resolvem o problema.
Uma coisa me chamou bastante atenção. Eu não vi pessoas com nenhum tipo de deficiência atuando diretamente na sociedade; seja trabalhando, seja passeando (dando a cara pra bater na inacessibilidade da rua, como eu estava fazendo). Na minha condição, leia-se cadeira de rodas, raras exceções: alguns nos shoppings da cidade (sempre sendo empurrados em cadeiras pré-históricas), outros pedindo esmolas nos cruzamentos, entre os carros. Realidade que, confesso, me deixou um pouco triste.
Diante dessa realidade eu não passei despercebido em lugar nenhum. A presença de um jovem de aparência saudável tocando sozinho a cadeira de rodas, subindo e descendo rampas e pequenos degraus, andando entre as pessoas "normais" parecia causar um estranhamento muito grande. Aqueles olhares, indiscretos na sua maioria, poderiam causar um desconforto muito grande em alguém que acabou de se acidentar e ainda está pouco à vontade nessa situação estranha; mas no meu caso, há mais de sete anos nessa luta, já não causam nenhum incômodo.
O mais interessante foi a comoção que a minha presença causou na balada. Meu amigo Paulo e eu fomos ao Hard Rock Hotel, a princípio ficamos no mezanino onde tocava uma banda de rock muito legal. Lá eu já percebi alguns olhares de curiosidade, mas nada demais, a única que quebrou o "protocolo" foi uma moça que dançou comigo e nos apresentou suas duas amigas: "Mi nombre es Ronald, yo no hablo español muy bien, pero lo entiendo. Y podemos hablar en Inglés también". Ficamos lá, conversamos um pouco com elas e depois subimos pra baladinha que rola no 62º andar, na cobertura. Uma vista linda da cidade, toda iluminada, boa música, gente bonita... E mais olhares curiosos. Mas não demorou muito pra alguém vir falar comigo e me fazer mil perguntas: "Cuál es su nombre? De dónde eres? Qué le parece Panamá?". E eu lá, me achando a celebridade hehehehehehe. Paulo se divertia com tudo aquilo e à medida que o estado etílico ia aumentando, íamos fazendo novos amigos e meu espanhol parecia ficar cada vez mais fluente. Por que será?




No Steinbock, um pub de influência alemã onde bebemos várias... tá bom, vááááááárias cervejas de todo o mundo, os olhares de curiosidade também surgiram, mas um pouco mais discretos. A grande dificuldade de lá é que o banheiro não era adaptado e todos sabemos como cerveja é uma bebida diurética. A porta que dava para os banheiros era larga e eu chegava numa antessala de mais ou menos 1,5m x 1,5m, à minha direita o banheiro feminino, à frente o masculino, mas as portas eram muito estreitas. A solução foi deixar Paulo de guarda na porta de entrada enquanto eu fazia o cat (vulgo, xixi pelo canudinho) na antessala com a bexiga quase explodindo. Detalhe, ele não foi um segurança muito eficiente e, em determinado momento abandonou seu posto, um cara abriu a porta (eu estava de costas) e saiu constrangido pedindo desculpas. Mas a alta concentração de álcool que corria em minhas veias não me permitiu ficar envergonhado. E viva a cerveja!


Mas nem todos os lugares estavam despreparados para receber pessoas com deficiência, alguns, a exemplo da Eclusa de Miraflores, onde tem um prédio pra receber os turistas que querem conhecer o Canal do Panamá, estão muito bem preparados. E vale mesmo a pena conhecer o canal, é uma obra de engenharia impressionante. O prédio é equipado com vagas reservadas, rampas, elevador, etc. A visita completa custa US$ 8,00 e começa com um filme em 3D que conta a história do canal, da fundação aos dias de hoje. Depois os turistas se encaminham ao mirador e podem ver o mecanismo das eclusas em funcionamento, com direito àqueles navios enormes passando apertadinhos pelo canal.



Mas não dá pra esperar que tudo seja adaptado, que tenha rampas e elevadores em todo canto. No último dia resolvemos fazer um passeio de barco pelo pacífico até a ilha Taboga. Na marina foi fácil chegar até o píer onde o barco atracou, mas pra descer pro barco não teve jeito, só sendo carregado, mesmo. O problema é que sendo pego assim nos braços a gente apega fácil, né? (uuuuiiii) E no barco também não tinha moleza, como era grande até tinha um banheiro, mas quem disse que dá pro aleijadinho usar? A solução foi fazer o cat escondidinho; e com o balanço do mar, que estava um pouco agitado foi ainda mais difícil, mas tudo se resolveu.



Terminado esse passeio, foi só voltar pro hotel, tomar banho, fechar as malas e pegar o caminho de volta. O Panamá, assim como o Brasil, ainda não é muito amigável aos quebrados, malacabados pela guerra, mas existem sim alternativas. Dá pra ver que já existe uma nova consciência se formando também por lá. Muitos lugares já apresentam rampas (nem sempre bem feitas), há bastante vagas reservadas, que pra minha surpresa pareceram ser mais respeitadas que no Brasil e por aí vai. Cheguei a encontrar um banheiro adaptado fechado por dentro no shopping e tive que procurar um rapaz dos serviços gerais, que pegou um rodo passou por cima da porta e a destravou. O Panamá se revelou um ótimo destino para passeio e também para compras (de roupas e eletrônicos principalmente), as barreiras estão lá, mas não são intransponíveis. As coisas são assim: Quem quer, dá um jeito; quem não quer, dá desculpa! O passeio foi muito bom, se você quer se divertir, Panamá é o canal!

O botox e a bexiga hiperativa. Parte 2 - A missão

em 11 de setembro de 2013

Depois de  muito tempo de inatividade volto a publicar no blog. Desta vez, retomando um assunto do qual já falei em outra oportunidade. Quem não leu, é só clicar aqui.
A perda de movimentos é a sequela mais visível para quem sofreu uma lesão medular, mas não é a única. Dentre os mais complicados está a bexiga neurogênica, que é uma disfunção urinária causada, neste caso, pelo trauma no sistema nervoso central. A bexiga neurogênica pode ser hipoativa (incapaz de contrair e esvaziar completamente) ou hiperativa (esvaziando por reflexos incontroláveis), no meu caso, a segunda predomina.
Para melhorar a convivência com essa situação adota-se o uso de medicamentos anticolinérgicos, que inibem essas contrações involuntárias, combinados com o autocateterismo, que é a passagem de uma sonda pela uretra para esvaziar a bexiga em intervalos regulares (o que já é um grande impacto na qualidade de vida, mas ainda a melhor opção). Acontece que em alguns casos a resposta a esse tratamento não é eficiente e é preciso buscar outras alternativas, é aí que entra a toxina botulínica.
O botox, como é conhecido, é aplicado em alguns pontos da musculatura responsável por essas contrações, paralisando-as temporariamente. É exatamente a mesma substância utilizada nos procedimentos estéticos para acabar com as temidas rugas. Em outubro de 2010 me submeti ao procedimento e percebi uma melhora sutil, mas que não teve um grande impacto na minha qualidade de vida, as urgências miccionais diminuíram um pouco, mas eu esperava mais e aquilo foi um tanto desanimador.
Agora, três anos depois, cansado dessa convivência conflituosa, resolvi tentar de novo. Esperei cerca de um mês pra relatar as minhas impressões e posso dizer que dessa vez o resultado foi bem melhor. Me sinto muito mais confortável sem precisar ficar mijando toda hora. Mas é claro que não é uma solução mágica, o autocateterismo (ou cat, como nós malacabados chamamos carinhosamente), continua fazendo parte da rotina. Já o uso dos medicamentos pode ser suspenso por completo em alguns casos enquanto o efeito da toxina está ativo, não foi o que aconteceu comigo. Fui diminuindo gradativamente o uso dos remédios até parar completamente, mas percebi que ainda precisava de uma "ajudinha" medicamentosa e retomei o uso, desta vez com uma dose bem menor.
O efeito da toxina dura alguns meses e vai perdendo força gradativamente, de forma que o procedimento precisa ser repetido ao longo do tempo. Mas é um procedimento bem simples, uma cirurgia sem cortes, feita via uretra e sem pré nem pós-operatórios complicados. Claro que passar por uma internação e todo esse processo é um pouco cansativo e, como eu disse, o botox não é uma solução mágica, mas uma alternativa por uma melhor qualidade de vida.
À medida que for percebendo as mudanças venho contá-las por aqui, além de outros assuntos interessantes a serem abordados no blog. Sei que tenho andado muito ausente do "Rodas", mas vou tentar movimentar um pouco as coisas. E assim a gente vai levando, foco no presente e bola pra frente.
Beijos nas crianças!

Remorso

em 16 de novembro de 2012

Ontem eu estava indo jantar na casa do meu tio, dirigia o meu carro e meus dois irmãos estavam comigo. Parei no último semáforo da Av. Francisco Porto, entrando na Av. Beira Mar. Cinquenta metros antes eu, já vendo o sinal aberto, acelerei um pouco pra não perder a oportunidade, mas o carro que ia lá na frente freou antes da faixa de pedestres, achei aquilo muito estranho, mas a pista do lado estava ocupada e não dava pra trocar de faixa: "Mas o que é isso?", perguntei. Meu irmão disse: "Um doido que tá andando no meio da rua". Parei atrás do carro e nesse meio tempo o sinal fechou, na frente pude ver que o "doido" andava com uma muleta com extrema dificuldade, as duas pernas atrofiadas tentavam levá-lo à frente enquanto segurava uma caixa de bombons com a outra mão.
Ele virou na direção do meu carro e, com um gesto de mão, ofereceu um chocolate. A princípio neguei, mas aquilo me tocou profundamente. Procurei algum dinheiro trocado pra ver se podia ajudá-lo, eu sabia que ele não estava fingindo, sabe como é, um aleijado reconhece outro hehehe. Além do mais, ele não estava pedindo nada, vendia alguns bombons pra conseguir dinheiro e fazia isso tentando se deslocar com uma dificuldade absurda. Meu irmão me passou dois reais e disse pra entregá-lo, mas o cara não queria esmolas, ele não estava ali pedindo, achei que podia se sentir desrespeitado. O sinal abriu bem na hora que assobiei pra chamá-lo, fui andando pra frente com a janela do carro abaixada e estiquei a mão com o dinheiro: "Vai querer dois?", respondi que sim balançando a cabeça enquanto o carro atrás já começava a buzinar (gente insensível), rapidamente recebi a mercadoria e ele pegou o dinheiro. Deixei-o pra trás e segui o meu caminho. Meus irmãos nem perceberam a minha frustração.
O fato é que aquilo me tocou profundamente. Recentemente voltei de uma pequena temporada em Brasília, onde estava revendo no Sarah a questão da minha bexiga neurogênica, que ainda incomoda bastante. E nos últimos dias lá, já andava meio desanimado. Nada demais, só algumas flutuações de humor que tenho de vez em quando. Mais que normal, já que às vezes sinto que o fardo ficou muito pesado de carregar, a lesão medular não dá trégua e o impacto na minha qualidade de vida é constante. Daí, uma hora a bateria acaba e tenho uma crise de "quero a minha vida de volta". Voltei de Brasília ainda meio desanimado, horas mais tranquilo, horas mais pra baixo. Até que na última segunda feira, desabei. Minha mãe entrou no meu quarto chamando pra jantar e me encontrou chorando no banheiro, coisa que eu já não fazia há muito tempo. "Tá chorando por quê, meu filho?", só consegui dizer: "Tô cansado!". Ela ficou ali perto e depois me deixou sozinho, aí me recompus e fui jantar, achando a minha vida uma merda.
Voltando ao fato. Ontem, aquele sentimento de insatisfação já tinha passado, eu estava muito tranquilo. Quando deixei o sinal pra trás enquanto dirigia, senti muita pena do rapaz (coisa que não acho legal) e fiquei com raiva da minha ingratidão. Como eu posso ser assim tão mal agradecido com a vida? Eu tenho uma lesão medular sim, minha qualidade de vida já foi melhor sim, mas por que reclamar tanto? Muitas vezes ao longo desses seis anos já tentaram me consolar comparando a minha situação com a de pessoas que estavam numa ainda pior e, sinceramente, acho um argumento muito fraco. Por que eu deveria me dar por satisfeito só porque tem alguém pior? Isso é uma inversão de valores. Eu quero mais.
Mas a questão aqui não é essa, o fato é que eu mesmo já estive muito pior e ninguém sabe disso melhor que EU, é só olhar pra trás. Além do mais, eu tenho uma família sensacional que me dá todo o suporte, não posso reclamar das circunstâncias da vida. Podia acontecer com qualquer um, aconteceu comigo.
Isso também não quer dizer que eu deixei de querer melhorar, pelo contrário, só que tenho que aprender a conviver com o hoje e é o que venho fazendo. Jantei com a família e aqueles pensamentos me voltaram várias vezes ao longo da noite, mas eu estava bem. Momentos ruins ainda virão, outras crises surgirão e eu vou ter que sair do buraco de novo. Fazer o quê? Shit happens, my friend! Reflexões religiosas à parte, a vida é mais dura agora, mais ainda há muito pra se aproveitar. No mais... é rodas pra que te quero!

Sebastian. O elo com o Divino.

em 29 de agosto de 2012


Já era quase meio dia quando eu chegava em casa. Parei o carro na frente do portão da garagem, que está quebrado, e liguei pra que alguém viesse abri-lo pra mim. Meu pai atendeu e se prontificou. Dois homens esperavam que alguém viesse atendê-los junto a uma moto na entrada de casa. O mais velho me viu e perguntou: "Você é o dono de Sebastian? Foi você que eu vi ontem passeando com ele?".
"Não, é o meu irmão. Vou tentar falar com ele."- respondi me referindo ao meu irmão Leonardo, que é o "pai" de Sebastian.. Ele olhou pra dentro do carro e perguntou: "Isso aí do seu lado é uma cadeira? É pra você?". Respondi que sim, que era cadeirante. Nessa hora meu pai abriu o portão e cumprimentou o rapaz, já sabia que ele estava ali pra ver o cachorro e meu irmão Guilherme, que passeava com Sebastian ontem, já vinha saindo pra mostrá-lo ao rapaz.
Entrei com o carro, montei a cadeira e fui lá ver do que se tratava. Entre elogios a Sebastian, ele apresentou-se e ao filho, que adora cachorros. Olhou pra mim e perguntou: "Quantos anos você tem?". Respondi que tinha 30 anos. Pausa dramática... "Você crê que Nosso Senhor Jesus Cristo pode te levantar daí?". Pronto, minha experiência já me dizia onde aquela conversa ia parar.
Nesse momento meu pai, católico praticante, tomou a frente: "Não, ele é ateu!" * - enquanto eu só tive tempo de balançar a cabeça em negativo. Pensei na mesma hora: "Agora fodeu!". Sofri um olhar que era um misto de pena e reprovação, achei engraçado e comecei a ouvir o testemunho. Ele e o filho são adventistas do sétimo dia, dizia-me que fora curado de AIDS, contraída quando teve relações sexuais com trinta e duas mulheres sem camisinha no prazo de um ano, mas no total tinham sido mais de duzentas, no que ele chamava de vida pregressa. Nessa hora quase parei a conversa e pedi um autógrafo, mas me contive.
Pensa que acabou por aí? Ele também foi curado de um câncer no reto, época em que defecava pus e fezes. Pra provar que falava a verdade retirou da mochila que o filho carregava uma garrafinha de água e dois rolos de papel higiênico, aquilo servia pra que ele se limpasse a toda hora, porque ele defecava sem controle. Exibiu as provas, como se aquilo provasse alguma coisa. Mas uma dúvida me corroía: "Se ele já estava curado, por quê andar com aquilo na mochila?" Pela segunda vez me contive.
 Mas os milagres não acabavam: "Tentaram me matar sete vezes. Em uma delas o rapaz me disse: 'Eu cheirei duas tiras de cocaína pra matar você, mas não sei por quê eu não matei'". Agora a bagaça ficou séria, como eu podia contestar uma coisa dessas? Por dentro eu achava engraçado, mas sabia que não adiantava argumentar com esse tipo de pensamento. Meu irmão, também cético, já tinha saído no começo da conversa e perdeu todo o testemunho. Meu pai, que acredita nesse tipo de sinais, ouvia atentamente. Chegou a contar pro rapaz um episódio que tinha acontecido comigo há quase três anos, quando saía do centro médico que tem aqui perto de casa com minha mãe; e que ele acredita também ter sido um sinal. Se você quiser, vale a pena dar uma lida aqui.
Enfim, o cara me deu um presente, um DVD com dez pregações de doze minutos cada e pediu que as ouvisse. "No primeiro - ele dizia -, Satanás vai querer lhe afastar e você vai sentir sono. Mas veja todos que você vai entender". Aceitei o presente de bom grado, conforme a educação que papai e mamãe me deram (que menino fofinho!), mas, sinceramente, vocês acham que eu vou assistir? Quem quiser é só dar um grito que eu envio uma cópia, o frete é grátis, só vou precisar de uma pequena contribuição em dinheiro para a obra da igreja (UAHAHAHAHA - esfregando as mãos com uma voz maléfica). Após várias investidas, me mantive irredutível, mas ele tentava me convencer de que tudo era um sinal, que Sebastian tinha sido o elo entre mim e ele, ou entre mim e o Senhor. "Será que meu irmão batizou Sebastian em homenagem a São Sebastião?".


"Santo cachorro, Batman." Diria o Robin
 Mais uma tentativa:
- Você não queria estar de pé? Agora passou ali uma cocota gostosa (cocota é ótimo hehehe), você não queria estar aí na cocotagem?
- E quem disse que só por causa da cadeira de rodas eu não estou?
Ele fez uma pausa pra reflexão e disse:
- Agora eu vou ser grosso com você, mas grosso no sentido de sincero. Vou agredir você, agredir com a palavra. É o chicote da palavra (adorei a expressão): Não seja hipócrita, você não queria estar de pé?
- Queria, mas tive que aprender a conviver com a realidade que eu tenho hoje. Não sou hipócrita, mas a vida que eu tenho hoje é essa e a gente tem que aprender a conviver - respondi com toda essa calma que Deus me deu, com o perdão da ironia.
Esse foi o único momento que ele foi um pouco indelicado, talvez porque eu me mantive irredutível e tinha argumentos pra contrariar tudo o que ele falava. Mas a essa hora eu já achava tudo engraçado.
Pra que não fique nenhum mal entendido, não quero desrespeitar a crença de ninguém. Respeito a de todos e acho que todos devem respeitar a minha, ou a falta dela. É desnecessário querer impor a verdade em que se acredita. Sei também que é da doutrina de algumas igrejas que os seus fiéis "espalhem a palavra" e convertam tantos quanto forem possíveis à palavra do Senhor, portanto vejo esse tipo de atitude como boas intenções. O rapaz, do qual não me lembro o nome e, se lembrasse, também não iria expor, não se colocou como agente da cura, insistiu que eu posso me curar pela mão de Deus. Foi muito gentil e disse que ia orar por mim, ao que agradeci prontamente. Me disse que ficasse com Ele e se despediu. Na hora do almoço eu pedi a meu pai que não alimentasse este tipo de coisa quando acontecesse de novo. "O que eu ia fazer? Ser grosseiro com o rapaz?". "Não, como eu disse: só não alimente".
Sebastian, me desculpe se tirei o foco da atenção de cima de você, mas sabe como é... A gente tem que encarar as coisas com bom-humor, é isso que eu faço.



"Que a Força esteja com você!"


* Só pra constar, não me considero ateu, na verdade não tenho uma opinião formada a respeito, mas me declaro um agnóstico convicto.

Beijo nas crianças. Aquele abraço.

Avaliação no Sarah Lago Norte

em 17 de agosto de 2012

Depois de um bom tempo sem passar pelo Sarah, estive lá no mês de julho. Como sou paciente do Sarah Brasília, liguei pra eles e pedi uma consulta porque queria conversar sobre alguns aspectos da minha reabilitação, em especial com relação à bexiga neurogênica e espasticidade. Pois bem, fiz os exames, conversei com o médico e decidimos por mudar algumas coisas. Pra começar, voltei a tomar um anticolinérgico (medicamento que "acalma" a musculatura vesical pretendendo diminuir as contrações involuntárias da bexiga) e tive que aumentar o número de cats (abreviação de cateterismo vesical, que é um procedimento normal em casos como o meu).

Área externa do Sarah Centro 

 Sala de espera para consultas e alguns exames no Sarah Centro

 Transporte que leva os pacientes do Centro para o Lago Norte.

No fim da consulta resolvi conversar com o médico a respeito da possibilidade de uma passagem pelo Sarah Lago Norte. Pra quem não sabe, em Brasília o Sarah tem duas unidades: Centro e Lago Norte. O Sarah Centro tem mais cara de hospital, recebe muitos pacientes com lesões recentes ou que ainda estão no início do processo de reabilitação. No Lago Norte ocorre uma etapa mais avançada desse processo, não é um hospital, serve mais como um treino avançado para pacientes que querem se tornar ainda mais independentes e adequar-se melhor à sua realidade.

Área externa de uma das instalações - Lago Norte

É uma instituição que tem um pouco de cara de colônia de férias, os pacientes treinam de acordo com a sua rotina diária, praticam esportes e tentam se tornar mais independentes. Ir pro Lago Norte é uma ótima opção para um cadeirante que pretende morar sozinho, por exemplo. Foi lá que o ex-BBB Fernando Fernandes descobriu a canoagem, que acabou tornando-o bicampeão mundial. Lá não existem pacientes com problemas clínicos, quem vai está em plenas condições físicas, exceto pela deficiência, claro. Como eu tenho uma fratura no fêmur em decorrência do acidente que nunca consolidou, não me permitiam ir pra lá, mas agora isso já nem foi mais considerado. A haste e os parafusos estão fixando o osso e isso não representa nenhum perigo; então estou liberado.

Ginásio poliesportivo

 Se o CIEP tivesse um ginásio desses pra treinar...

 Cadeiras de basquete.

Aparelhos de musculação.

Pois bem, o médico do Centro enviou um e-mail para a equipe do Lago Norte, que entrou em contato comigo alguns dias depois e marcou uma avaliação para o último dia 13 de agosto. Acho que o objetivo dessa avaliação, que se resumiu a uma conversa de mais ou menos meia hora, era averiguar se eu tinha condições e o perfil para uma passagem por lá. Ficou combinado que eles entrariam em contato comigo para que eu fosse na segunda quinzena de outubro, mas ainda não sei a data exata.

Fotos

 Mais fotos.

 E mais algumas.

Pra não ficar por menos, mais algumas.

O que eu espero dessa passagem? Nenhum milagre, de fato, nenhuma grande revolução no meu caso, já passei dessa fase. Quero aprender a conviver melhor com a minha realidade, parafraseando Nelson Rodrigues: A vida como ela é. Vamos embora que o tempo não para.

De repente... 30.

em 26 de julho de 2012


Ok, concordo. Esse post com nome de filmezinho comédia romântica é muito biba, mas o blog é meu e eu escrevo o que quero (ai, como ela tá nervosa!). O fato é que já passa um pouco da meia noite e acabo de completar 30 anos. Pausa para reflexão...
Agora falando sério. Pra mim é só mais uma data, apesar de bastante emblemática. Trinta anos. Isso soa meio que como um divisor de águas para a maioria das pessoas. Para muitos serve de parâmetro, tipo: "quando eu tiver 30 anos já quero ter alcançado minha independência financeira, ter um certo patrimônio, etc, etc, etc". Algumas mulheres, por exemplo, têm horror à ideia de chegar aos trinta sem casar: "Ficar pra titia? Nem pensar..." Pra mim é mais um número, mais um dia. Eu também fiz planos para os trinta, mas eles não correram conforme o esperado. Fazer o quê?
Sem dúvida, o fato mais marcante nessa minha curta trajetória foi o acidente que causou a lesão medular e mudou os rumos de tudo o que eu planejava. Mas a vida tem dessas coisas, não é mesmo? Novos planos foram feitos, novas expectativas criadas, novos objetivos vêm sendo traçados. Parece que foi ontem que eu saí da faculdade, gozava de plena capacidade física e enxergava mil possibilidades, quando esse imprevisto me jogou um balde de água fria, o destino (se é que isso existe) me deu um tapa na cara.
De lá pra cá se passaram seis anos e seis dias de muito aprendizado. Sim, porque aquela história de que a vida ensina é verdade, eu bem sei disso. Religião? Não tenho. Nunca me identifiquei, mas tenho profundo respeito. Apenas não é a verdade em que acredito, eu tenho a minha, você a sua. Toda reflexão que tive me ensinou apenas uma coisa: tenho que viver a vida que tenho hoje. Pode não ser aquela que idealizei, mas é a única que posso viver e tenho que tirar o máximo dela.
Não gosto de lições de moral, escrever isso aqui não tem essa intenção. É apenas uma constatação, quiçá uma provocação. Já aprendi que ficar preso ao "e se..." não me leva a lugar nenhum. "E se isso não tivesse acontecido?". Sei lá, nunca vou saber. Então pra que perder o meu tempo pensando nisso? Amanhã o dia é cheio, vou receber família e amigos pra comemorar. Não deu pra fazer o festão que gostaria, mas vai ser legal, tenho certeza. Botar o fígado pra trabalhar.
De repente... 30. E que venham mais.


Diel

em 23 de julho de 2012


Ontem eu perdi um amigo. Um cara que tive o privilégio de conhecer e conviver nos últimos três anos. Josevaldo, ou Diel, como era conhecido por todos, foi antes de tudo um guerreiro. Conheci sua história e aprendi a admirar a força e determinação na luta que travava pela inclusão das pessoas com deficiência. Ele me contou algumas vezes como foi sair do fundo do poço, da depressão causada pela lesão medular, pelo fato de não poder mais andar, controlar o próprio corpo. Dizia que passou muito tempo sem querer sair de casa, sem estímulo, sem vontade pra enfrentar o mundo naquela condição, mas encontrou coragem e decidiu seguir em frente.


Encontrou no esporte a melhor forma de integrar as pessoas com deficiência à sociedade, ajudou muita gente com a sua própria experiência, inclusive a mim. Foi um dos fundadores do CIEP (Centro Integrado de Esporte Paratleta), instituição que defendia com todas as suas forças. Lembro quando cheguei ao treino da equipe de basquete em meados de 2009 e encontrei um cara solícito, aberto e interessado em ajudar. O basquete me proporcionou uma grande melhora da condição física: força, equilíbrio,capacidade respiratória... e até minha autoestima. Mas, antes de tudo, me permitiu conhecer pessoas tão iguais e tão diferentes de mim. Histórias de sofrimento, coragem, superação e amizade. E mais que tudo, me apresentou este cara.


Tive a felicidade de ajudá-lo quando consegui uma almofada Roho, objeto de desejo de muitos cadeirantes por lesão medular. No momento ele sofria com seguidas escaras (úlceras de pressão) e essa almofada ajuda a prevenir este tipo de lesão. Até hoje lembro da cara que ele fez quando soube da surpresa, meio sem jeito cogitou recusar o presente, mas já não tinha jeito, a almofada é sua, meu amigo.
A dor da perda é grande, mas só podemos refletir e entender como ele gostaria que agíssemos daqui pra frente. Temos que manter viva a memória de Diel e a melhor forma de fazer isso é dar continuidade ao seu trabalho. Amigos, parentes, atletas do CIEP, vamos seguir com o legado deixado por nosso guerreiro, nossa grande referência. Ontem passei a tarde no hospital tentando ajudar Tarcísio, nosso grande apoio, a resolver umas questões burocráticas e pude sentir a dor da perda. Fui dar uma última olhada no meu amigo e pude ver que, apesar do sofrimento que vinha passando, mantinha a mesma feição de serenidade conhecida por todos. Não pude comparecer ao velório, mas tive um momento solitário de reflexão e despedida.




Amigo, sua passagem ficou marcada e tocou a vida de muita gente, digo isso por experiência própria. Agora só guardamos a lembrança e a saudade. Do seu amigo e admirador.
Ronald

Banzo

em 26 de abril de 2012

São Paulo, 15 de abril de 2012.
Vim mais uma vez para São Paulo, dessa vez pra participar de uma corrida, uma meia maratona. Eu e mais dois amigos, Ulisses e Tarcísio. Ulisses também é cadeirante e veio correr, Tarcísio é nosso apoio, dá uma força em tudo que a gente precisa, afinal, nós não damos conta de carregar as handbikes.  Ele viaja com o nosso time de basquete em cadeira de rodas e dá todo o suporte que precisamos. Assim que eu e Ulisses decidimos participar da corrida, o convidamos pra vir com a gente dar aquela mãozinha.


A corrida foi pela manhã, o nosso transporte atrasou um pouco e acabamos chegando em casa por volta das 13h30, tomamos um banho e fomos almoçar, depois voltamos pro apartamento. Por questão de economia decidimos ficar no apartamento que eu morei por quase quatro anos em São Paulo. Assim que eu sofri o acidente e voltei pra Aracaju, nosso apartamento ficou em stand by, não sabíamos o que fazer. Minha ideia, então, era me recuperar o mais rápido possível e voltar pra minha antiga vida, retomar tudo do ponto em que parou. Não foi bem o que aconteceu. Mas o meu irmão Guilherme, que acabara de se formar em odontologia, passou em uma especialização aqui em Sampa e veio morar no apartamento. Agora, ele já terminou os estudos e acabou de voltar pra Aracaju.
Pois bem, depois do almoço estávamos cansados e fomos descansar um pouco. Fui para o meu antigo quarto, minha antiga cama. Encostei a cabeça no travesseiro e apaguei, mas o sono não durou muito. Dei-me conta que agora que o meu irmão tinha voltado pra casa, aquela era, provavelmente, minha última passagem pela minha antiga casa, onde eu fiz planos, criei expectativas e vivi alguns dos melhores anos da minha vida. Lembrei-me dos anos de faculdade, da ansiedade pra conseguir o primeiro estágio, os dias de trabalho, a correria pra entregar o TCC, as baladas, as ressacas, a festa de formatura... Seguindo essa lógica, não pude deixar de lembrar tudo que tinha planejado pra minha vida. Saudade de um tempo que não vivi.
Cara, foi foda! Eu levantava da cama, ia até a cozinha, voltava pra cama, tentava dormir e não conseguia, tentei ler o livro que tinha comprado há poucos dias, era impossível me concentrar. E o tempo foi passando, liguei a televisão antiga que ainda tinha por lá e tentei me distrair um pouco, nunca prestei tanta atenção no Domingão do Faustão como naquele dia. Mandei mensagem para os amigos de São Paulo, pelo menos aqueles que eu tinha o telefone, queria saber se a saída à noite pra rever todo mundo ia dar certo, mas acabou não rolando porque todos tinham outros compromissos. Pelo menos no sábado consegui rever alguns deles, uma pizza à noite. Ah, as pizzas de São Paulo...


Falei com Celso, que disse que ia passar por lá depois de dar uma corrida no Ibirapuera. Bibiu foi lá em casa conversar comigo, ela é a esposa do zelador, Seu Zé, e trabalhou como diarista comigo e meu irmão. Inevitavelmente, criamos um vínculo muito forte. Falei como tinha passado a tarde, ela também lamentava, dizia que tinha acostumado com a nossa presença. Minha e do meu irmão. E se perguntava como seria agora, ia sentir muita saudade. Mais tarde Celso também chegou e ficamos conversando, eu, ele e Tarcísio, também falei como tinha me sentido horas antes. Bibiu voltou lá em casa e ficou conversando com Celso mais um tempão. Ela fala pra caralho! Muito engraçado. Depois foi embora. Contei a Celso as novidades da minha vida em Aracaju, ele me falou das coisas de São Paulo e de quando planejava aparecer na terrinha.
E foi isso. Depois que ele foi embora fui arrumar as coisas pra dormir, aquela angústia já tinha passado fazia tempo e às seis e meia da manhã, a van que nos levaria ao aeroporto estaria lá na porta.
Pontualmente o transporte chegou. Tarcísio desceu as bagagens e foi arrumar as handbikes pra viagem. Eu fui o último a sair, dei uma última olhada no apartamento como se quisesse imprimir tudo aquilo na minha memória (como se precisasse...). Mais um ciclo se fecha. Por mais que eu já não morasse lá, aquele apartamento era um vínculo que eu ainda tinha com a minha antiga vida. Agora só ficam os amigos e as lembranças que levo comigo. Até breve, São Paulo.




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