Filosofando

em 30 de junho de 2014

Desde que me arrebentei todo e entrei para a Matrix, essa realidade paralela onde vivem as pessoas com deficiência, comecei a observar a maneira como a sociedade nos enxerga e cheguei a algumas conclusões bem interessantes. A mais intrigante delas é a tendência de transformar automaticamente pessoas com deficiência em nobre inspiração para a humanidade.
Já faz algum tempo, eu estava terminando de montar minha cadeira pra sair do carro quando uma tiazinha apareceu do nada e se aproximou dizendo: "Isso aí que é um exemplo de vida, não é?". Eu juntei toda a minha boa vontade e lhe devolvi o meu mais sincero "Aham" com um sorrisinho no canto da boca (era o máximo que eu podia fazer naquele momento). Não eu não fui mal educado, fui simpático, agradeci as palavras e disse que precisava ir porque estava com um pouco de pressa, enquanto arrumava a carcaça na cadeira.
Outras situações parecidas já aconteceram comigo e com pessoas que conheço e isso revela uma visão completamente errada da minha realidade atual. Parece que nós não somos pessoas reais, não estamos inseridos nesse mundo, não podemos ser professores, médicos, engenheiros, publicitários, jornalistas... Nós servimos pra inspirar. Acho que parte dessa responsabilidade recai sobre a mídia, que reforça esse estereótipo. Na grande maioria das vezes só vejo meus coleguinhas malacabados retratados como grandes esportistas que superam suas próprias limitações.
Sinto desapontá-los, mas fomos todos enganados. A ideia que nos foi vendida é que ter uma deficiência nos torna excepcionais, e isso não é verdade. Aqueles grandes exemplos de superação das paraolimpíadas (ou paralimpíadas, como queiram) não são super-heróis, aquele rapaz que não consegue mexer braços e pernas mas pinta um quadro segurando o pincel com a boca também não, aquele outro que monta sua própria cadeira de rodas pra sair do carro sozinho (esse aí sou eu! hehehe), muito menos. Eles não são excepcionais, não são super-heróis, não são diferentes de ninguém. Apenas usam toda a capacidade do seu corpo pra realizar as tarefas da forma que for possível.
Sim, viver com uma deficiência é mais difícil e nós temos que superar algumas dificuldades para poder realizar certas coisas, mas e você também não tem? Essas imagens acabam objetificando as pessoas com deficiência, mas com que propósito? A resposta mais correta seria: em benefício das pessoas sem deficiência. Pra fazê-las sentirem melhor a respeito de si, colocando seus medos, suas preocupações em uma perspectiva diferente. "Se aquele cara/aquela moça com toda dificuldade que tem consegue fazer as coisas sem reclamar, por que eu me queixo tanto?". É importante entender que o que mais nos limita não é a deficiência em si, mas o mundo em que vivemos, que não dá oportunidade às pessoas que têm necessidades diferentes da maioria. A mentalidade dominante a respeito da deficiência precisa mudar para que as capacidades das pessoas se destaquem, em detrimento de suas incapacidades (se é que se pode chamar assim).
Vou parar por aqui e dizer o que me despertou a escrever esse texto. Acabei de assistir um vídeo no aplicativo TED que deu voz a tudo o que eu pensava sobre a maneira como a sociedade enxerga as pessoas com deficiência. Se você não conhece, o TED é uma organização que se dedica a divulgar idéias, exibindo vídeos de curtas palestras, geralmente muito boas, sobre os mais diferentes temas. O seu slogan "Ideas worth spreading", algo como "Idéias que valem a pena ser espalhadas/compartilhadas" já resume tudo. É uma boa alternativa para aqueles pequenos momentos ociosos.
Enfim, no vídeo Stella Young, comediante e jornalista (ah! E cadeirante), discorre a respeito de tudo que falei acima. Parte do que escrevi foi transcrito das palavras dela, mas suas reflexões são mais profundas do que abordei. Ela fala do alto de sua cadeira de rodas motorizada por nove minutos de maneira leve e engraçada. E dá um show. O vídeo tem 9 minutos e vale muito à pena.





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