Disreflexia Autonômica

em 6 de outubro de 2016

Eu já tinha passado mais de um mês na UTI e há umas duas semanas ocupava um quarto na Unidade de Terapia Semi-Intensiva do Hospital Nove de Julho em São Paulo. Uma forte dor de cabeça apareceu de repente, uma ansiedade que eu não sabia de onde vinha, os batimentos acelerados por causa de um incômodo que eu nem sabia explicar o que era. "Tô sentindo uma dor de cabeça muito forte", meus pais chamaram uma enfermeira. Lá estava eu com uma dor de cabeça aguda e que não entendia a origem, identificaram umas placas vermelhas nos meus braços, pescoço e no rosto... Todos acharam que era uma reação alérgica, trocam-se os lençóis, chamam uma dermatologista que me examina, faz algumas perguntas e não consegue identificar o motivo daquela reação. Foi a primeira vez que aconteceu. Lá no Nove de Julho ainda não entendíamos direito aquilo, mas tentava-se de tudo até que eu melhorasse. Algum tempo depois, quando cheguei ao Sarah, tive a primeira crise lá dentro e a enfermeira foi categórica: "É disreflexia!".

"Disreflexia autonômica ou Hiperreflexia autônoma medular(CID-10 G90.4) é uma síndrome associada a lesão medular caracterizada por uma resposta excessiva do sistema simpático pela ausência do controle do sistema parassimpático. Pode acontecer quando a lesão medular foi acima das vértebras torácicas T5-T6. Vários estímulos que deveriam ser dolorosos e incômodos podem desencadear essa síndrome."  Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Disreflexia_autonômica

Fonte: http://www.blogfisiobrasil.com.br/2015/03/disreflexia-autonomica.html

Resumindo. Como a lesão medular afeta a sensibilidade, muitas vezes estímulos que normalmente seriam incômodos e dolorosos não são percebidos. Daí o nosso corpo, muito esperto, encontra um jeito de avisar: "Opa, peraí. Tem alguma coisa errada acontecendo". Eis que aparece a disreflexia.
O sistema nervoso autônomo (reponsável por funções como pressão arterial, frequências cardíaca e respiratória, temperatura corporal, metabolismo...) se divide em simpático e parassimpático. Estes funcionam juntos e de maneiras opostas para manter as funções involuntárias do corpo.
Inúmeros motivos podem desencadear a disreflexia autônomica, mas os mais comuns são: bexiga muito cheia, distensão no intestino, lesões ou fraturas, escaras (úlceras de pressão), efeitos colaterais de medicamentos...
Alguns dos sintomas comuns são dor de cabeça, bradicardia, muita ansiedade, visão embaçada ou manchada, nariz obstruído, manchas vermelhas na pele (estas aparecem apenas acima do nível da lesão), aumento da pressão arterial, etc. E o tratamento passa por identificar o desencadeador e resolver a situação, problema identificado e solucionado os sintomas tendem a desaparecer rapidamente. Mas em casos extremos, quando não tratados, a disreflexia autonômica pode levar a um acidente vascular cerebral ou uma parada cardíaca.

Fonte: http://fisioterapiahumberto.blogspot.com.br/2009/09/disreflexia-autonomica.html

Com paciência e autoconhecimento fui conseguindo lidar com o problema. A partir do meu terceiro ano de lesão medular meus episódios com a disreflexia começaram a diminuir e passei um bom tempo sem ocorrências, mas agora, com a minha lesão quase entrando na adolescência, ela resolveu voltar. Os principais fatores que desencadeiam a disreflexia em mim são: a bexiga muito cheia e o calor. Já os sintomas são geralmente o aumento da pressão arterial, ansiedade, dores de cabeça (vez ou outra) e muita coceira nas regiões em que aparecem as manchas vermelhas, como se realmente fosse uma reação alérgica (ainda não encontrei ninguém que tenha esse sintoma, só eu). 
No primeiro caso só preciso ir ao banheiro e passar a sonda uretral (fazer o cateterismo vesical, ou o cat, como acostumamos a falar no Sarah), assim que a bexiga começa a esvaziar vem o alívio. O segundo caso ocorre porque o controle da minha temperatura corporal é prejudicado por conta da lesão medular, eu praticamente não transpiro abaixo do nível da minha lesão, o que no meu caso representa uns 80% do meu corpo, daí a minha temperatura sobe. Sentiu o drama? Às vezes ficar exposto a um ambiente quente e abafado já funciona como gatilho, em outros, quando o meu corpo está mais suscetível à disreflexia, como atualmente; o simples contato direto com o sol já é o suficiente. A solução é buscar uma alternativa que ajude a baixar a temperatura do corpo. Já usei gelo, água, plantei-me na frente de um ventilador ligado, mudei para um ambiente mais frio com ar-condicionado... Todos os métodos funcionam, basta reduzir a temperatura corporal.
Enfim, tanto os desencadeadores quanto os sintomas da disreflexia autonômica variam de paciente pra paciente. Cada um tem que buscar (auto)conhecimento para aprender a evitar os episódios e tratá-los quando necessário. Bem que conviver com essa tal de lesão medular poderia ser mais fácil, né? Mas fazer o quê? Bola pra frente.
Beijos nas crianças!

Malacabado - A história de um jornalista sobre rodas

em 13 de setembro de 2016


Acabei há algumas semanas de ler o livro do meu amigo Jairo. Atrevo-me a chamá-lo de amigo porque, apesar de tê-lo encontrado pessoalmente uma única vez, acompanho o seu blog, o "Assim como você", desde a primeira postagem. Lá se vão alguns anos... E confesso que a leitura de vários posts acabou me ajudando em momentos de dificuldade na minha fase mais revolts (termo cunhado pelo próprio Jairo), naquele momento delicado de readaptação pós acidente. O "Assim" é um espaço de debate, esclarecimento e contação de "causos", onde Jairo fala sobre temas dos mais variados, sempre ligados à "Matrix", esse misterioso mundo paralelo das pessoas com deficiência, ou como costuma chamar: os malacabados. Aquele povo que tem as perninhas de sabiá, o escutador de novela avariado, que é meio "tchube" das ideias e por aí vai...
Malacabado - A história de um jornalista sobre rodas é um relato autobiográfico, por mais que Jairo diga que não tenha essa intenção. Mas além disso é um convite à reflexão, ao conhecimento de uma realidade pouco conhecida da maioria e (por que não?) à oportunidade de dar boas risadas. Ao longo do livro, enquanto conta sua história desde a infância complicada em Três Lagoas, sua cidade natal, passando pela aventura de ir morar sozinho durante a faculdade, até o grande desafio de ir trabalhar como repórter na Folha de São Paulo, Jairo vai intercalando situações adversas com causos cômicos (não fossem trágicos), relacionamentos amorosos, desafios profissionais, enfrentamento da desconfiança alheia, entre outras coisas.
O livro é um passeio por um universo desconhecido por muitos, pelo enfrentamento das dificuldades com coragem e bom humor. O texto de Jairo é leve e dinâmico, faz a leitura fluir sem se tornar cansativa. O tema da deficiência é tratado de forma leve e divertida, sem aqueles coitadismos e passando longe do famigerado tema da superação, tão hipervalorizado pela mídia. Neste exato momento o autor está cobrindo a Paralimpíada do Rio e eu estou acompanhando aqui pelas redes sociais. Companheiro, seu livro é muito bom e espero que traga ainda mais sucesso do que você vem conseguindo nesse desafio de conquista do mundo pelas pessoas com deficiência.

A cadeira da liberdade.

em 7 de junho de 2016

Hoje me deparei com um vídeo que me chamou muita atenção desde o título: "The cheap all-terrain wheelchair", ou "a cadeira de rodas barata para qualquer terreno", em tradução livre. Mais um vídeo do TED Talks (a respeito do que já falei em outro post). Este vídeo nem sequer é novo, foi postado em novembro de 2012, mas eu não tinha conhecimento.
Enfim, vamos ao que interessa. Após conhecer a realidade de pessoas com deficiência em países em desenvolvimento, Amos Winter, um engenheiro mecânico formado pelo renomado MIT, resolveu criar uma cadeira eficiente e barata que pudesse vencer terrenos difíceis. Em um primeiro exercício de criação pensou num equipamento inspirado nas mountain bikes, nada mais natural, dada a natureza do projeto. Mas esse tipo de bicicleta custa caro e está longe da realidade dos países em desenvolvimento.
O desafio era criar uma cadeira com o custo inferior a 200 dólares, capaz de percorrer 5km por dia em diferentes terrenos, que fosse pequena e manobrável o suficiente para o uso interno e facilmente reparável (com compenentes encontrados com facilidade). Após muito estudo, Winter pensou num sistema de alavancas simples que já existe há muito tempo e que seria composto de partes de bicicletas comuns.
Pra mim, a frase mais marcante do vídeo é quando ele fala que "a pessoa é a máquina complexa do sistema". Com esse sistema de alavancas, o usuário modifica o tipo de condução da cadeira apenas deslizando a mão para cima e para baixo nas alavancas. Para andar rápido, segura as alavancas perto dos eixos, o que gera um grande ângulo em cada movimento; à medida que o caminho se torna mais duro, basta deslizar as mãos para a parte de cima da alavanca, produzindo mais torque, o que permite vencer as dificuldades do terreno com menos esforço. E para utilizar a cadeira no ambiente interno, basta retirar as alavancas da transmissão e guardá-las no quadro, convertendo-a numa cadeira normal.
Segundo Amos Winter, o processo de criação foi baseado em alguns pilares: design centrado no utilizador, focado nos fatores sociais, funcionais e econômicos. Na minha humilde opinião, os objetivos do projeto foram alcançados com folga, que o diga Ashok, o alfaiate indiano apresentado no fim do vídeo, que pôde voltar a trabalhar quando passou a utilizar a cadeira da liberdade. Com a cadeira, Ashok conseguiu vencer novamente a distância de mais ou menos um quilômetro da sua casa até sua oficina.
E você o que acha? Acredito que não vai se arrepender de passar os próximos onze minutos assistindo este vídeo inspirador. Dá pra pôr  legendas, pra quem não manja dos "ingrês".


Um Foursquare para malacabados.

em 26 de março de 2016


Olha eu aqui de volta! Confesso que andava muito relapso em relação ao blog, sem muita vontade e/ou inspiração pra escrever. Há mais de um ano não rabiscava nem uma palavrinha por aqui... até que fiquei sabendo de um aplicativo para celular que despertou o meu interesse. Antes de mais nada devo dar os créditos à pagina Vida Sobre Rodas do Facebook, onde fiquei sabendo do assunto e por onde cheguei a matéria da revista Exame.
Bom, sem querer fazer autopromoção, eu já tinha pensado em como seria legal se o Foursquare (aplicativo que uso com certa frequência) incluísse nos parâmetros de suas avaliações os critérios de acessibilidade dos locais. Cheguei a cogitar escrever para eles e sugerir a ideia, mas acabei nunca fazendo isso. Eis que um dia tenho a grata surpresa: um aplicativo chamado Guia de Rodas, que mapeia os locais com acessibilidade para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida e é alimentado com a colaboração dos próprios usuários. Ele utiliza a base de dados do Foursquare (o mesmo que citei logo acima), ou seja, já tem uma infinidade de lugares cadastrados, prontos para serem avaliados.
Assim que conheci a novidade, baixei o aplicativo e comecei a testá-lo. O app é muito intuitivo e fácil de usar. Para avaliar um local é só fazer o check-in e responder a um questionário rápido que inclui perguntas sobre estacionamento e facilidade de chegar, espaço para circulação interna, altura das mesas, existência de banheiros adaptados, etc. Depois de responder às perguntas o usuário ainda pode escrever comentários a respeito do local e fazer sua própria avaliação. Coisa que costumo fazer sempre (vai que o dono lê os comentários e tem a boa vontade de fazer as melhorias necessárias?).
Já sugeri pra alguns amigos malacabados, que também gostaram da ideia, e espero que mais algumas pessoas também o conheçam a partir desse post. Boas ideias devem ser multiplicadas e ferramentas como esta podem ajudar um pouco mais na construção de um mundo mais acessível e igual para todos. O que vocês acham?


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