Diário de um intercambista malacabado: Goodbye, San Francisco. Olá, Aracaju.

em 29 de outubro de 2017


Bom, já estou de volta há duas semanas depois de passar 33 dias nos EUA. Quando viajei e comecei esta série de textos a intenção realmente era fazer um diário, produzir um novo texto a cada dois ou três dias contando as novidades da minha viagem. A aventura de um malacabado tentando se virar por conta própria em um país estrangeiro.
Realmente não consegui cumprir nem de perto esse cronograma, não levei computador porque a intenção era aproveitar os preços mais em conta para comprar um novo nos EUA, e escrever textos longos no celular é complicado. Na escola eu tinha acesso aos computadores do laboratório de informática, mas geralmente ao fim das aulas eu só queria sair pra almoçar. No hostel onde estava hospedado havia um computador no lobby à disposição, mas eu não queria ficar escrevendo por lá com o vai e vem de um monte de gente, então ficou pra depois. Aqui vai um pequeno resumo da aventura de um intercambista malacabado.
Pra começar: não foi fácil! Mas já falei aqui outras vezes: "Quem quer, dá um jeito. Quem não quer, dá desculpa". Como a certeza da viagem só aconteceu na última hora, durante a última semana, não pude planejar tudo como gostaria. Com mais tempo hábil eu teria planejado os melhores trajetos, as rotas de ônibus e metrô, os passeios que gostaria de fazer, onde e o que gostaria de comprar e mais uma infinidade de coisas. Mas quando não dá pra planejar, seguimos a lei do improviso.
Nos primeiros dias fiz o trajeto até a escola de ônibus, pegava o primeiro a 50 metros do hostel e um segundo que me deixava a pouco mais de uma quadra do destino. San Francisco é uma cidade de altos e baixos e a minha preocupação era que tivesse uma subida no meio do caminho. Depois percebi que a maior parte era uma descida suave e o restante era predominantemente plano. Então passei a ir rodando pra aula e pegava apenas um ônibus na volta, que subia a rua e eu só precisava descer um quarteirão pra chegar em casa.
As calçadas da cidade seguiam um padrão, havia rampas em todas as esquinas (a grande maioria bem feita) e as adaptações dos ônibus funcionavam perfeitamente. Os motoristas eram em grande maioria bastante solícitos e bem preparados, então não tive problemas. O sistema de trens e metrô também funcionava muito bem, apesar de ser bem sujo. Não tinha graves problemas de acessibilidade, mas geralmente havia apenas um elevador por estação, que estava sempre fedendo a mijo de mendigo. San Francisco tem muitos moradores de rua e acho que eles aproveitavam o ambiente reservado dos elevadores pra dar aquela aliviada. Felizmente não me deparei com nenhuma cagada. 💩💩💩
Rodar grandes distâncias sozinho pela cidade seria bem complicado, mas quem tem amigos tem tudo. Foi fácil me cercar de gente boa, amigos que estavam sempre dispostos a ajudar. Tinha brasileiros, japoneses, turcos, taiwaneses, italianos... Ao todo eram alunos de vinte e três nacionalidades na escola, todo mundo sempre ali pra dar uma forcinha quando eu precisasse. Claro que a ousadia de um cara na cadeira de rodas se virando sozinho por lá causava um certo estranhamento, mas ao conviver um pouco mais todos passavam a encarar a situação com naturalidade. Volta e meia eu ouvia aquele papo chato sobre ser um exemplo de superação e todo aquele blá blá blá que já conheço de cor e salteado. Mas a maneira que eu vejo as coisas é bem simples: eu tenho os meus problemas e as minhas dificuldades pra enfrentar a vida, mas dificuldades todo mundo enfrenta, uns mais, outros menos. A vida nem sempre é justa, mas é assim que ela é. A cadeira de rodas me impõe um série de limitações, mas o fato é que ela chama muita atenção, e talvez por isso desperte esse sentimento de admiração.
O meu curso de Business English (inglês para negócios) tinha aulas apenas pela manhã, então eu tinha as tardes livres pra fazer o que quisesse. E geralmente era um passeio com "ozamigos". Deu pra rodar bastante por San Francisco, conhecer os pontos turísticos, comer bastante junk food, visitar as cidades vizinhas... Não quero me alongar muito contando os detalhes de cada passeio, a intenção desse post não é ser um guia turístico para os malacabados que resolverem se aventurar por San Francisco, mas dividir um pouco da experiência enriquecedora que tive por lá. Como não sou um grande fã de fotos, não vou postar milhares de imagens aqui, mas quem tiver curiosidade pode dar uma olhada em alguns lugares que visitei no Instagram.
Por mais que um período de quatro semanas não seja longo o suficiente para uma imersão completa em um cultura diferente, dá pra aprender muita coisa se você souber utilizar o tempo que tem e mantiver a mente aberta. Viver a rotina de SF foi muito interessante, a escola ficava no coração do Financial District, bem no centro da cidade, onde as coisas acontecem. Era muito legal ir para a aula pela manhã vendo as pessoas indo trabalhar usando transportes bem alternativos. Gente vestida de maneira formal indo trabalhar de bicicleta, skate, patinete... Claro que havia bastante trânsito, muitos carros nas ruas, ônibus, bondes, mas muita gente preferia outras alternativas.
O convívio com alunos de tantas nacionalidades diferentes também foi muito legal. Ouvir tantos sotaques de várias partes do mundo me ajudou a melhorar bastante o meu entendimento da língua. Tanto que, às vezes, eu já me pegava pensando em inglês. Nas conversas com os outros alunos era sempre interessante trocar experiências sobre os costumes de cada país e aprender como cada cultura encarava assuntos diferentes. Um dos passatempos favoritos era ensinar alguns palavrões em português e depois ficar se divertindo com eles falando sem parar. Os japoneses, muito educados, achavam o máximo e sempre queriam aprender um novo. O preferido era, sem dúvida: "Puta que pariu!".
Foram quatro semanas vividas intensamente em San Francisco, na última eu já me sentia meio dividido, era um misto de emoções. De um lado aquela saudade que já vinha há algum tempo dando sinais de vida, do outro um pouco de tristeza, uma nostalgia antecipada por deixar pra trás uma experiência tão valiosa. Acho inclusive que as dificuldades inerentes à minha condição me fizeram valorizar ainda mais a oportunidade. O investimento financeiro é alto, claro. O investimento emocional, as expectativas criadas, também. Mas a experiência valeu todo o esforço para que desse certo. Antes de voltar pro Brasil ainda deu pra relaxar alguns dias em Miami na casa de um grande amigo, José Maurício, que fez questão de receber a mim e Alice na sua casa. Sim, a digníssima foi me encontrar em Miami e passamos uns dias passeando por lá.
O saldo final foi muito positivo. Volto dessa viagem com um entendimento mais amplo de mim e do mundo. Com mais segurança a respeito das minhas capacidades. Com mais amigos do que tinha quando fui e com a bagagem cheia de experiências enriquecedoras. Sim, o meu inglês está melhor, agora conheço algumas expressões que não conhecia, entendo um pouco melhor a linguagem técnica do mundo dos negócios. A princípio esse era o objetivo e estou feliz em tê-lo alcançado, mas o aprendizado foi bem maior que tudo isso. E essa certeza eu trouxe na mala.
Bola pra frente e até a próxima.

Nenhum comentário:

Postar um comentário



Topo